Ainda pouco utilizado pelos familiares no Brasil, por acreditarem que os custos são elevados, é fato que o planejamento sucessório é um ato importantíssimo para assegurar a distribuição ordenada do patrimônio familiar, respeitando-se todos os direitos dos herdeiros necessários.
Ao final, além da organização perfeita da sucessão, sem que os herdeiros precisem passar pelo dissabor de discutir o patrimônio após o falecimento de um ente querido, é fato que os custos ainda são infinitamente menores do que um inventário.
Nesse artigo vamos explorar como organizar o patrimônio em vida, que pode ser feito de forma legal, justa e econômica.
Quem São os Herdeiros Legítimos e Necessários?
O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.829, estabelece a ordem de vocação hereditária, que define quem são os herdeiros legítimos e que receberão a herança:
- Descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo nos regimes de comunhão universal de bens, separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único), ou comunhão parcial quando não houver bens particulares;
- Ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
- O cônjuge sobrevivente;
- Os colaterais, na ausência dos demais.
A Lei também estabelece, em seu artigo 1.845, que os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e o cônjuge) possuem prioridade absoluta e não podem ser preteridos, exceto em casos específicos previstos em lei. Assim, por exemplo, irmãos só terão direito à herança se não houver descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente.
Limitações à Disposição do Patrimônio
Uma das preocupações relevantes, antes de aberta a sucessão, é a possibilidade de o autor da herança dispor, em vida, de 50% do seu patrimônio. Nesse caso, pode ser utilizado, também, como planejamento sucessório, sendo reservada aos herdeiros necessários os outros 50%.
Tal fato não deve preocupar os herdeiros necessários, já que, caso uma doação ou testamento ultrapasse esse limite, será considerada nula.
É importante deixar claro que é proibida a doação de todo o patrimônio sem que o doador reserve bens ou renda suficiente para sua subsistência.
Essas normas visam proteger não apenas os herdeiros necessários, mas também a dignidade do próprio autor da herança, garantindo que ele não se desfaça integralmente de seu patrimônio sem preservar sua manutenção.
Garantia dos Herdeiros
Dentro do percentual de livre disposição (50%), o autor da herança pode beneficiar um ou mais herdeiros necessários, desde que respeite o limite da legítima. Por exemplo, em uma família composta por dois filhos e um cônjuge, é possível destinar uma parcela do patrimônio a um dos filhos por meio de testamento ou doação, desde que isso não prejudique os direitos dos demais.
Essa flexibilidade permite que o autor da herança atenda a situações específicas, como relações de afinidade ou apoio a um herdeiro que necessite de maior suporte financeiro, sempre dentro dos limites estabelecidos pela legislação.
Atualizações Jurisprudenciais e Mudanças Recentes
A jurisprudência brasileira tem reforçado a proteção aos herdeiros necessários. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em recentes decisões, que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, independentemente do regime de bens, conforme previsto no artigo 1.845 do Código Civil.
Outro fato importante, é que o Poder Judiciário vem respeitando a autonomia das vontades das partes, conforme se verifica pelo julgado do ARE 1309642, do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2024, flexibilizou a obrigatoriedade do regime de separação de bens para casamentos de pessoas acima de 70 anos. Essa mudança amplia as possibilidades de organização patrimonial e sucessória para casais nessa faixa etária.
Outro ponto relevante é a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que fundamenta a proteção à subsistência do doador e aos direitos dos herdeiros necessários.
Conclusão
O planejamento sucessório vai além de estratégias como holdings ou doações de cotas com reserva de usufruto. Testamentos e outros instrumentos legais podem ser utilizados para ajustar as expectativas do autor da herança às disposições legais.
Contudo, é fundamental que o processo seja conduzido com orientação jurídica adequada, garantindo o respeito aos limites impostos pela lei e evitando conflitos familiares. Fraudes, ocultamentos ou simulações não apenas violam a legislação, mas também comprometem o principal objetivo do planejamento: assegurar uma transição patrimonial pacífica e justa.
Por fim, organizar o patrimônio com responsabilidade e dentro da lei é um ato de cuidado que evita disputas, burocracias e permite que os entes queridos enfrentem o momento da perda com tranquilidade, concentrando-se apenas nas boas lembranças deixadas pelo autor da herança.